Oito meses após a denúncia, a jovem lamenta não ter informações sobre o caso e teme impunidade dos agressores
Durante mais da metade de sua vida,
desde os sete anos de idade, a piauiense Franciele de Almeida Silva
conviveu com o abuso sexual, a extrema violência psicológica e a
sensação de que estava fazendo algo errado, quando na verdade ela era a
maior vítima. Hoje, com 23 anos e coragem para denunciar tudo o que ela e
a irmã mais nova sofreram, enfrenta a lentidão dos processos
burocráticos de investigação e teme que seus agressores fiquem impunes.
Os acusados são o próprio pai de Franciele e seu padrasto.
Há
8 meses, Franciele procurou o Ministério Público de Piracuruca,
município a 180 km ao Norte de Teresina. O objetivo principal era
denunciar seu pai, o empresário Francisco das Chagas – conhecido na
região como “Chico Machado” - pelo crime de estupro de vulnerável contra
ela e sua irmã, três anos mais nova.
Franciele e seu pai, acusado por ela de ter abusado sexualmente dela e de sua irmã, três anos mais nova, durante cinco anos.
Além
de seu pai, Franciele diz também ter sido abusada pelo seu padrasto,
quando ainda morava com sua mãe. Ela conta que, para fugir do pesadelo
em que vivia com o homem, as meninas foram morar com o pai. Segundo a
jovem, teve início, então, uma nova fase, tão terrível quanto a
anterior. Ela afirma ter sido violentada pelo padrasto dos 7 aos 14 anos
e pelo pai, durante os cinco anos seguintes.
Pelo
fato de o agressor ser seu pai e os abusos serem mais recentes, a jovem
pretende primeiro denunciar o que aconteceu quando vivia com ele. Mas
deseja, ainda, buscar Justiça pelo que seu padrasto causou a ela.
Quando
buscaram a comarca do município, as irmãs foram ouvidas pela promotora
Karla Daniela Carvalho, que recebeu a denúncia e acionou a Polícia Civil
do Piauí para que os crimes fossem investigados. O delegado que assumiu
o caso é o titular do município, Ricardo Oliveira.
Contudo,
Franciele conta que até hoje não obteve respostas concretas sobre seu
caso e revela seu maior medo: que seu pai continue vitimando outras
jovens e crianças. A vítima em potencial, diz Franciele, é a filha de 6
anos do empresário, fruto do seu segundo casamento.
“Ele
hoje tem uma filhinha do segundo casamento, uma criança de 6 anos de
idade, que está dentro de casa com ele lá dentro. O que será que pode
acontecer? A atual esposa dele não acredita na gente, não sabe do que
ele é capaz, mas a gente teme pela nossa irmã, que é uma criança”, conta
Franciele.
A estudante diz que
desde que realizou a primeira denúncia, as informações repassadas a ela e
à irmã são vagas e não há garantia de punição do acusado. Um outro
receio surge, então: pela demora em realizar as denúncias, ela teme que
seu agressor não pague pelos crimes que cometeu.
Contudo,
a demora tem um motivo. Desde o dia em que ela saiu de casa e os
estupros cessaram, foram necessários mais três anos de terapia para que
ela tivesse coragem e força para contar tudo o que aconteceu e buscar
Justiça.
“Quando uma criança sofre
algo assim, tudo muda na cabeça dela, a violência é física, mas a
principal consequência é psicológica. As coisas que ele me dizia, que eu
nunca seria respeitada caso denunciasse, foram fazendo eu me sentir
culpada pelo que estava acontecendo. Só depois de três anos de terapia
eu consegui ter coragem para buscar ajuda”, revela.
Era comum que o empresário realizasse viagens aos depósitos onde armazenava os produtos que comercializa, como arroz e óleo de soja. Segundo Franciele, o homem possui galpões em municípios como Pedro II e Piripiri, e era para lá que levava as duas filhas, onde os abusos aconteciam.
Em geral, o pai de Franciele viajava apenas com uma das duas filhas, para que a outra não soubesse o que acontecia. Ela diz que somente no fim do ano passado teve a confirmação de sua irmã de que os abusos não aconteciam só com ela.
A jovem conta que lembra até hoje como ocorreu o primeiro estupro. O pai, que já sabia dos abusos sofridos por Franciele pelo seu padrasto, quis confirmar se a menina continuava virgem.
"Enquanto eu morava com minha mãe, meu padrasto abusava de mim de diversas formas, mas nunca houve penetração. Meu pai, na primeira vez, quis 'conferir' isso. Depois do que houve, ele disse pra mim: 'Eu andei sabendo do que ele fazia contigo, queria conferir se você ainda era virgem'. Isso nunca saiu da minha cabeça", relata.
Dentre outros atos cruéis contados pela jovem, ela também precisou fazer um aborto aos 16 anos de idade, depois de engravidar do seu pai. Ela revela que ele contatou uma médica que era sua amiga e a forçou a realizar uma curetagem.
"Eu quase morri nessa época, fiquei muito mal. Ele inventou que eu estava grávida de um namoradinho na época e fez ela fazer isso. Ela teria que ter procurado a polícia, porque sequer esse aborto poderia ter sido feito, mas nada aconteceu, tudo foi feito às escondidas e apagado", disse ela.
Inquérito corre sob sigilo
De
acordo com o Ministério Público, a Polícia Civil foi acionada assim que
foram recebidas as denúncias de Franciele e sua irmã. A ausência de
informações, segundo a assessoria de comunicação do órgão, se deve ao
caráter sigiloso do inquérito.
A
promotora que recebeu as vítimas foi Karla Daniela Carvalho, mas hoje
quem responde pela comarca de Piracuruca é Everângela Araújo Barros. A
informação da promotora é de que a polícia é que tem mais informações
sobre o caso, e não pode revelar muitos detalhes.
Franciele diz que tudo o que sabe é que poucas testemunhas foram ouvidas até agora e que seu pai ainda não foi chamado a depor.
Procurado pela reportagem do Portal O DIA,
o delegado Ricardo Oliveira não foi localizado. “Enquanto isso ele está
livre, pode fazer o que quiser, porque ninguém acredita que ele seja
capaz disso, está acima de qualquer suspeita. Eu fico indignada com
isso”, lamenta a vítima.
Famílias preferem não acreditar nas vítimas
A história de Franciele revela ainda o que ela chama de "crime
cultural". A jovem se refere à aceitação social de relacionamentos entre homens mais velhos com mulheres bem mais jovens, ainda que a garota tenha 13 anos e o
homem já tenha chegado aos 30. Ela diz que quando contou para sua mãe,
em fevereiro deste ano, tudo o que passou, a
reação foi de culpa e, em seguida, de tentar amenizar o que aconteceu.
"Assim
que eu contei, ela se sentiu muito mal, disse que tinha culpa daquilo,
que deveria ter percebido o que estava acontecendo quando eu ainda
morava com ela. Ela disse 'Agora eu entendo porque você vivia chorando
quando era criança', porque era isso que eu fazia. Eu me trancava no meu
quarto e chorava, porque ele me ameaçava, dizia que ia desaparecer com a
minha mãe. O que uma criança pode fazer quando a pessoa diz que vai dar
um sumiço na sua mãe? Depois, ela ficou dizendo pra eu deixar pra lá,
que isso não daria em nada e eu já esperava isso".
Franciele diz que a reação já era esperada por conta da forma como sua mãe foi criada. Quando se separou de seu pai, a avó de Franciele a orientou a procurar, o mais rapidamente possível, outro marido, porque "ser separada é muito feio". Assim, logo que conheceu seu padrasto, sua mãe se casou.
"Ela sempre foi uma mulher muito passiva, porque minha avó também era. A ideia sempre foi a de que o homem é centro da casa, o centro da família. Contar algo assim, questionar o caráter de um homem como ele, bem sucedido e com família, é uma afronta", revela.
Ela diz então que casos como o dela são comuns, mas a maioria das mulheres têm medo de denunciar, de expor a situação. Os principais sentimentos são culpa, vergonha e medo de serem desacreditadas pelos familiares.
"Meu pai me dizia que se eu contasse, meu nome iria para a lama, o meu nome e o dele. Que ninguém iria acreditar em mim. Demorou muito para eu ter coragem, foi preciso que eu fizesse terapia para conseguir falar a respeito, mas agora eu quero que eles paguem pelo que fizeram".
Para sair da casa de seu pai, Franciele prestou vestibular para Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi) e foi aprovada para o campus de Parnaíba, litoral do Estado, onde mora há três anos e onde luta para não deixar o caso impune.
Franciele diz que a reação já era esperada por conta da forma como sua mãe foi criada. Quando se separou de seu pai, a avó de Franciele a orientou a procurar, o mais rapidamente possível, outro marido, porque "ser separada é muito feio". Assim, logo que conheceu seu padrasto, sua mãe se casou.
"Ela sempre foi uma mulher muito passiva, porque minha avó também era. A ideia sempre foi a de que o homem é centro da casa, o centro da família. Contar algo assim, questionar o caráter de um homem como ele, bem sucedido e com família, é uma afronta", revela.
Ela diz então que casos como o dela são comuns, mas a maioria das mulheres têm medo de denunciar, de expor a situação. Os principais sentimentos são culpa, vergonha e medo de serem desacreditadas pelos familiares.
"Meu pai me dizia que se eu contasse, meu nome iria para a lama, o meu nome e o dele. Que ninguém iria acreditar em mim. Demorou muito para eu ter coragem, foi preciso que eu fizesse terapia para conseguir falar a respeito, mas agora eu quero que eles paguem pelo que fizeram".
Para sair da casa de seu pai, Franciele prestou vestibular para Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (Ufpi) e foi aprovada para o campus de Parnaíba, litoral do Estado, onde mora há três anos e onde luta para não deixar o caso impune.
No Facebook, jovem expõe o problema e pede agilidade em seu caso
Buscando
Justiça, Franciele contou em seu perfil na rede social tudo o que
sofreu, revelando que casos como o dela são comuns, e como é difícil
lutar contra a "proteção social" de que dispõem agressores como seu pai.
Um homem influente, com dinheiro e "acima de qualquer suspeita". Ainda
na rede social, a jovem conta que a luta está apenas começando.
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